Soja transgênica não traz vantagem produtiva ou econômica, por Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos

Agrônomo considera equivocado o entusiasmo de produtores gaúchos com a soja transgênica e afirma que clima favorável mascarou resultados desta safra

Boletim Número 174

As vantagens da soja transgênica, plantada no Rio Grande do Sul, com sementes contrabandeadas da Argentina, na última safra (2002-2003), são apenas efeito das condições climáticas excepcionalmente favoráveis e de cálculos econômicos imediatistas. É o que afirma o engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo, doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que trabalha na Emater do Rio Grande do Sul.

Sem considerar nenhum custo adicional de rotulagem, teste ou avaliação ambiental, cuja obrigatoriedade ainda está em discussão, Melgarejo diz, que os ganhos dos produtores com a soja transgênica não vão se repetir na próxima safra e a tendência é de queda consistente na produtividade. E mais: as vantagens econômicas obtidas no primeiro ou até dois primeiros anos de plantio das variedades transgênicas, referentes à redução nos tratos culturais, desaparecem a partir do quarto ou quinto ano, quando se começam a pagar royalties pelas sementes; quando a proliferação de ervas daninhas resistentes ao glifosato (princípio ativo do herbicida Rondup Ready ou RR) obriga à retomada dos tratos culturais normais e, o mais importante, devido ao baixo nível de fixação de nitrogênio das variedades transgênicas.

?A presente safra gaúcha de soja apresentou ganhos de produtividade da ordem de 41%, comparativamente à média dos últimos três anos, resultado apresentado como evidência dos benefícios assegurados à economia estadual, da utilização de sementes geneticamente modificadas?, diz Melgarejo. ?Entretanto a interpretação merece avaliação mais cautelosa, pois as condições climáticas desfavoráveis nos anos anteriores e excepcionalmente favoráveis desta safra mascaram os reais motivos deste aumento?.

De acordo com o agrônomo, o clima favorável deve-se à ocorrência de um El Niño moderado. O fenômeno -- caracterizado pelo aquecimento anormal das águas do Oceano Pacífico, que influencia fortemente a distribuição de chuvas no Brasil -- também proporcionou ganhos na produtividade da soja não transgênica do Centro-Oeste e do milho.

A explicação da diferença de produtividade está no objetivo do melhoramento genético transgênico: ?a soja RR foi desenvolvida para resistir a um herbicida, de modo a reduzir o número de aplicações do químico, durante o ciclo da cultura. Não é uma variedade desenvolvida para ser produtiva, caso da soja (melhorada de forma não transgênica) usada no Centro-Oeste?, reitera Melgarejo. Tal opinião é compartilhada pelo produtor Carlos Augusto de Albuquerque, membro da Federação de Agricultura do Estado do Paraná (FAEP), que recentemente organizou uma viagem de associados aos EUA.

Segundo ele, a produtividade da soja transgênica argentina fica em torno de 2.500 a 2.600 kg por hectare, mesmo resultado obtido na safra transgênica gaúcha. Já as variedades de soja não transgênica do Paraná chegam a 3.000 kg/ha, enquanto a média brasileira é 2.800 kg/ha. (...)
Nos Estados Unidos, comparações diretas entre soja transgênica e não transgênica, no mesmo ambiente, realizadas em mais de 10 mil locais, de vários estados norte-americanos, indicam que a soja RR vem produzindo entre 5% e 10% a menos do que a não transgênica, sendo que em alguns estados a desvantagem é maior, como em Iowa (menos 18,9%) e Indiana (menos 22,7%). Os estudos são do Instituto de Agricultura e Recursos Naturais, da Universidade de Nebraska, EUA.

Também o ganho preconizado pelos criadores da soja RR, de caráter econômico, pela redução dos custos com os tratos culturais, é relativo. ?O ganho só acontece nos primeiros anos, pois o uso continuado do glifosato (herbicida RR) favorece o desenvolvimento de ervas daninhas resistentes, especialmente entre as espécies que emergem mais tarde do que a soja. A partir do quarto ou quinto ano, a lavoura transgênica passa a exigir o mesmo trato cultural das variedades comuns ou quantidades até maiores de herbicida?, afirma Leonardo Melgarejo.

Ele cita dados de um relatório de Charles Benbrook, publicado pela Sociedade Americana de Agronomia (http://www.uva.org.ar/transge8.html), segundo quem a soja tratada com glifosato é mais suscetível ao fungo Fusarium, causador da fusariose. O mesmo autor verificou redução na produção de aminoácidos essenciais, no pé de soja, resultando em queda temporária das defesas imunológicas da planta, além de resistência menor a estresse hídrico (seca) e queda de até 25% em relação à soja comum, quando plantada em solos pobres.

O dado mais importante, inferido por Benbrook, no entanto, é o da redução na capacidade de fixação de nitrogênio, pelas bactérias simbióticas, nas raízes da soja transgênica. Boa parte da alta produtividade da soja comum brasileira deve-se aos avanços da pesquisa agrícola, obtidos justamente neste campo, o da fixação de nitrogênio por bactérias que se associam à raízes da planta. O nitrogênio é um nutriente essencial a qualquer planta, mas caro -- quando aplicado na forma de adubo químico -- e volátil (evapora facilmente). As tais bactérias simbióticas fixam o nutriente para as plantas de soja e já economizaram milhões de reais em adubos nitrogenados para o produtor brasileiro.

Ainda não é tudo. Aos problemas de vigor e nutrição das plantas, advindos do uso do glifosato, há que se acrescentar os custos dos royalties pagos para uso das sementes transgênicas -- cobrados apenas após os primeiros anos -- o que dilui ainda mais as vantagens econômicas inicialmente aferidas. As sementes transgênicas usadas no Brasil não pagaram royalties porque foram contrabandeadas. Mas, na Argentina, são cobrados royalties de US$ 49,83 por hectare e nos Estados Unidos, US$ 67,45 por hectare.

?O que mais nos preocupa é a dependência econômica e tecnológica, que passaríamos a ter, se liberássemos os transgênicos?, diz o deputado paranaense Elton Welter (PT) autor do Projeto de Lei 307/03 que veda a produção, o transporte e o comércio de transgênicos no Paraná e cria o Conselho Técnico Estadual de Biossegurança. O PL foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembléia Legislativa, no último dia 19, e deve ir a votação em breve. ?Passaríamos a depender de um oligopólio na venda de sementes e herbicidas, controlado justamente pelo maior competidor da soja brasileira, nas exportações, que são os Estados Unidos?, continua o deputado. ?A lógica de mercado indica ser muito arriscado embarcar nesta. O Brasil precisa assegurar sua soberania tecnológica, não dá para simplesmente acreditar que as empresas norte americanas resolveram ser boazinhas e nos vender barato uma tecnologia, que colocaria o Brasil, seu principal concorrente internacional, sob sua dependência?. (Agência Estado, 26/08/03).

Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos
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