Transgênicos rompem ciclo do meio ambiente, diz indígena

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“O que acontece hoje é que as sementes dos camponeses estão encarceradas; foram colocadas, pelas multinacionais, em bancos genéticos para investigação e estudo, a fim de produzir os transgênicos. Para isso, as empresas têm usurpado as sementes, a terra, do direito de decidir o que e quando comer”

A indígena do Chile Francisca Rodriguez, da Anamuri (Associação Nacional das Mulheres Rurais e Indígenas), faz parte da coordenação da campanha internacional em defesa das sementes da Via Campesina. O olhar e a defesa apaixonada das sementes pela carismática ativista, chamada de Pancha, coloca pouco a pouco, espontaneamente, todos na tropa de choque da campanha que defende o grão como “pratimônio dos povos, a serviço da humanidade”.

“A importância das sementes é de primeira ordem. A luta pela terra, uma vida digna e justiça está representada nesta coisa tão pequenininha, que parece tão insignificante. Porém, é tão importante que depende dela a vida, a saúde, a alegria, a festa. Tudo está relacionado com o que as nossas sementes produzem”, defende Pancha.

Na entrevista abaixo, ela explica os objetivos das transnacionais e a mentira de que a alta tecnologia pode resolver o problema da fome no mundo. Para ela, o problema é outro: “O que acontece hoje é que as sementes dos camponeses estão encarceradas; foram colocadas, pelas multinacionais, em bancos genéticos para investigação e estudo, a fim de produzir os transgênicos. Para isso, as empresas têm usurpado as sementes, a terra, do direito de decidir o que e quando comer”.

Leia a seguir a trechos da entrevista com Francisca Rodriguez, a Pancha.

Por que a Via Campesina combate as transnacionais?

A campanha da Via Campesina é contra o capital, contra as multinacionais, contra a mente perversa que habita o capital. O capital é limitado porque gira em torno da geração da sua riqueza, forma de dominação no mundo, não tem limite. Na agricultura, isto aconteceu primeiro com a Revolução Verde, com o objetivo de resolver o problema da fome. A mesma coisa que ocorre hoje com a semente transgênica, as quais as empresas dizem que irá acabar com a fome. Sendo que a semente transgênica é resultado de um processo que rompe com o ciclo natural do meio ambiente. E agora, com a Terminator, querem converter nossas sementes em assassinas, que não se reproduzem. Fazer com que as sementes produzam o que querem e que contaminem o restante das sementes que existem. Sem as sementes, a reforma agrária também cairá nas mãos das transnacionais. Isto é um atentado a vida.

Quais os motivos para a sociedade preservar as sementes?

Quando estamos disso, nos referimos à vida. A importância das sementes é de primeira ordem. A luta pela terra, uma vida digna e justiça está representada nesta coisa tão pequenininha, que parece tão insignificante. Porém, é tão importante que depende dela a vida, a saúde, a alegria, a festa. Tudo está relacionado com o que as nossas sementes produzem. A semente se reproduz sozinha. O que passa é que, através dos séculos, nós todos a temos melhorado, cuidado, adaptado ao novo clima, melhorado as variedades, mas sem agredir as regras da natureza. Hoje em dia as empresas não criam nada e estudam tudo em laboratório. Usam sua mentalidade perversa para produzir ganâncias. Já a nossa ciência camponesa e indígena está melhorando e buscando maior rendimento, quando busca variedades novas. Estamos em função da sociedade.

Quais são os principais problemas que os trabalhadores enfrentam em relação às sementes?

É a dominação do capital e a mercantilização da vida, das nossas plantas e de nossas sementes. Isso significa a subordinação do povo e do Estado ao capital. A semente está diretamente ligada à soberania dos povos e das nações. Por isso, um povo que não é capaz de produzir as suas próprias sementes, não é um povo soberano. Se não tem soberania, não pode criar suas próprias regras de solidariedade e de convivência com outros povos, porque está dependente às decisões de outros. Querem acabar com a nossa cultura camponesa, trazendo uma cultura de morte, de dependência. Acho que essa é a pior forma de dominação que estamos enfrentando, que é a do capital.

Muitos governos, como o brasileiro, estimulam a produção de biodiesel em larga escala como alternativa ao pequeno agricultor. Qual é a sua avaliação?

Vejo esse discurso com muita preocupação. Os governos procuram solucionar os problemas do campo e da energia dentro da visão industrial e mercantilizada. Não está se tomando a decisão em concordância com o povo. Nós temos um compromisso, com os nossos governos, de dizer que não queremos o monocultivo, mesmo que seja para produzir biodiesel. O monocultivo extermina com a nossa produção e a nossa cultura. Nesse sentido, a ação das mulheres da Via Campesina no Rio Grande do Sul contra o monocultivo de pinus e de eucalipto da Aracruz Celulose foi positiva. O deserto verde é mais uma forma de esgotamento das nossas águas e de concentração de mão-de-obra barata, pagando pouco à população. Cada vez que se planta uma floresta de pinus e eucalipto, é mais um bosque que não alimenta, que não produz medicamentos, que não entrega material para o noss o artesanato.

Alguns pesquisadores dizem que uma maior produção de sementes resolveria o problema da fome no mundo. Você concorda?

Não. É verdade que muitas sementes são criadas e outras desaparecem devido às mudanças dos hábitos e das culturas alimentares das pessoas. O que acontece hoje é que as sementes dos camponeses estão encarceradas; foram colocadas, pelas multinacionais, em bancos genéticos para investigação e estudo, a fim de produzir os transgênicos. Para isso, as empresas têm usurpado as sementes, a terra, do direito de decidir o que e quando comer. Apesar do que se diz, a base alimentícia da sociedade é obtida pelo que nós, camponeses, produzimos. Eles se apropriaram de dois processos: o de transformação e o de comercialização. Terminaram com o vínculo direto entre campo e cidade e potencializaram os supermercados e as distribuidoras. Muitos camponeses estão amarrados pela chamada ‘agricultura de contrato’, produzindo para as grandes empresas. Por iss o digo que elas se apropriaram da cadeia de produção.

E os transgênicos, aumentariam a produção agrícola?

É mentira. Não são tão produtivos como dizem. Nós estamos em condições de produzir tudo o que a humanidade precisa, estamos em condições de desenvolver a agricultura e a nossa cultura. Somos donos de um saber e amamos o que fazemos. Por isso é que os indígenas defendem o seu território, assim como os camponeses, que não têm terra por terem sido expulsos e, agora, ocupam áreas a fim de resgatar o que era seu. Esta é a nossa razão de viver. #

* O boletim da Via Campesina na COP-8 é produzido por Igor Felippe Santos, Isabelle Derforge, Manuela Nicodemos, Marcio Razuk, Maria Mello, Raquel Casiraghi e Solange Engelmann

Informações à imprensa:
Igor Felippe Santos - 41 8411-9769
Solange Engelmann - 41 8411 9794

BOLETIM DA VIA CAMPESINA
Direto da COP-8
Curitiba - PR
30 de março de 2006

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