Brasil: agricultura familiar quer Paraná sem transgênicos

Organizações e associações que representam os agricultores familiares do Estado divulgaram ontem posição favorável para a transformação do Paraná em área livre de transgênicos

As entidades estão promovendo debates e abaixo-assinados entre a população paranaense. Elas ainda enviaram cartas ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e ao ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, sobre o assunto. Cerca de 40% da produção de soja no Brasil é proveniente da agricultura familiar. No Paraná, o índice é de 48%, segundo o último censo agropecuário, de 1995.

O coordenador adjunto Paraná da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar no Sul do País (Fetraf), Luís Pirin, explica que existem vários motivos para que os agricultores tomem essa posição. O primeiro é o processo de soberania. Há vários tipos de semente que correm o risco de serem exterminadas com a entrada das transgênicas. "É preciso ter cuidado para não eliminar a semente crioula, a vida da agricultura familiar", afirma. Pirin avalia que a propensão do consumidor em não consumir produtos geneticamente modificados também é um aliado para a transformação. Além disso, há o impacto ao meio ambiente. "No momento em que as plantas são mudadas geneticamente, se muda o comportamento dos produtos químicos. Eles serão mais fortes e aplicados em grandes doses, o que trará danos ao meio ambiente, à saúde dos humanos e aos seres vivos em geral", comenta.

O coordenador da organização não-governamental (ONG) Terra de Diretos, Darci Frigo, explica que o Paraná tem uma posição histórica contra os transgênicos, que acabou sendo transformada em política pública. "Não se pode levar em conta apenas a posição de grandes organizações que representam os magnatas da agricultura. Nós repudiamos a atitude do delegado do Ministério da Agricultura no Paraná de levar somente a reivindicação destas organizações. Queremos que leve as nossas também. As organizações patronais querem entregar toda a agricultura para a mão de uma única multinacional. Qual é a explicação para isto?" Outra reivindicação dos agricultores familiares, segundo Frigo, é a declaração do Ministério do Meio Ambiente de áreas prioritárias livres de transgênicos. "Precisamos cobrar ações mais efetivas quanto a esse tema", diz.

O integrante do Centro de Tecnologias Alternativas Populares (Rio Grande do Sul), Marcelo Souza, avalia que a resistência dos consumidores quanto aos transgênicos, principalmente na Europa, é uma prova de que existe mercado para os produtos convencionais. "Os países que passaram por situações como essa, como mal da vaca louca e fortíssimos venenos, têm muita resistência", revela. A partir do momento que a lei de rotulagem dos geneticamente modificados for aplicada no Brasil, a recusa será ainda maior. "A rotulagem causaria um impacto na Europa, por exemplo. Os produtores estão preocupados em não dar ração com material transgênico. Os consumidores da França estão pressionando para que a carne desses animais também sejam rotuladas", classifica Souza, informando que 60% dos produtos nos supermercados possui soja como uma das matérias primas. Grande parte da soja plantada no Brasil é transgênica, de acordo com ele. Uma comissão das entidades que representam os agricultores familiares irá à França no final deste mês para conversar com produtores locais. Foi firmado um acordo de interesse comercial entre os governos do Paraná e de alguns estados daquele país.

Para os representantes da agricultura familiar, o grande atrativo da soja transgênica é a parte econômica, mas devido à resistência desse tipo de produto, existe um grande mercado procurando a soja convencional, especialmente na Ásia e na Europa. O Paraná produz cerca de 12 milhões de toneladas por ano, enquanto o continente europeu importa entre 15 e 17 milhões de toneladas.

Como já existem alguns agricultores plantando soja modificada no Estado, o coordenador Pirin, da Fetraf, defende o isolamento dessas áreas em todas as fases de produção e transporte. "Dificilmente eles voltariam à semente comum, pois têm a visão estritamente econômica. Mas não se pode pensar em economia sem pensar no futuro", observa.

Identificando plantios

"No decorrer deste mês, em todo Paraná, estará sendo realizado um levantamento para identificação de possíveis áreas ilegais de plantio de soja transgênica." A informação é do chefe da divisão de Defesa Sanitária Vegetal da Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento (Seab), Carlos Alberto Salvador. Ontem, ele participou do curso de capacitação em Biossegurança de Organismos Geneticamente Modificados (OGMs), promovido pela secretaria em parceria com o Ministério do Meio Ambiente, no Hotel Paraná Suíte, em Curitiba. O evento encerra-se na próxima sexta-feira.

Segundo Carlos, a soja é plantada em uma área de quatro milhões de hectares dentro do Paraná. Até agora, sabe-se que desse total 0,27% está coberto com plantio de soja transgênica. "A legislação permite que o nível de contaminação seja de até 1% da área total. Por isso, o Paraná está abaixo da percentagem permitida e está trabalhando para conquistar o título de área livre de transgênicos", comenta.

Curso

O curso promovido pela Secretaria tem como objetivo auxiliar na capacitação de analistas e fiscais envolvidos no licenciamento, na fiscalização e no acompanhamento de casos envolvendo OGMs e derivados. Conta com cerca de sessenta participantes e envolve uma visita ao Porto de Paranaguá. (Cintia Végas)

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