Brasil: estelionato ambiental
A chegada do Partido dos Trabalhadores ao poder reforça a convicção de que governar faz mal aos princípios. É até compreensível que o partido tenha se voltado contra parte de sua base num caso como o da reforma da Previdência, que, questões ideológicas à parte, envolve gastos públicos elevados e diz respeito ao equilíbrio do sistema
Mais difícil de entender é a radical mudança de posição da cúpula petista nas questões ambientais. Mesmo que haja implicações econômicas em jogo elas não parecem constituir justificativas plausíveis para que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os seus principais assessores rasguem as promessas defendidas em campanha eleitoral.
Além de ampliar os riscos de prejuízos ambientais para o país, essa guinada petista acarreta desgastes para o governo. Gera conflitos com alguns de seus quadros, como atesta a insatisfação da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e o abandono do PT por Fernando Gabeira, e prejudica as relações com entidades e organismos ambientalistas nacionais e internacionais.
A confusa liberação da soja transgênica é apenas o mais rumoroso caso de "esqueçam o que eu dizia" na política ambiental. Há outros, como a permissão para importar pneus usados, o que de certa forma equivale a trazer lixo de outros países, dada a virtual indestrutibilidade da borracha utilizada no produto.
Também causou espécie entre ambientalistas a decisão do governo de rever a política de demarcação de terras indígenas, de modo a reduzir as reservas, e de seguir em frente com o plano de pavimentar e abrir estradas na selva amazônica, como a polêmica BR-163 (Cuiabá-Santarém).
É certo que governar implica ceder e compor. Porém, quando as mudanças ocorrem do dia para a noite, em torno de temas antes tidos como fundamentais, fica a sensação de estelionato eleitoral e oportunismo.
Folha de São Paulo, Brasil, 23-10-03