Brasil: primeira batalha, por João Pedro Stédile e Sérgio Görchen

Os transgênicos voltam à pauta nacional. É importante recuperar o centro do debate

O projeto de lei que tramita no Congresso não é contrário à liberação dos transgênicos, muito menos limitador da continuidade das pesquisas. Mas o lobby das grandes indústrias multinacionais, com o apoio de alguns ingênuos de plantão (acompanhados de plantonistas nada ingênuos), é para liberar sem nenhum tipo de controle.

Elas defendem todos os poderes à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio); nenhum teste de campo em solo nacional e anulação das funções legais da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama); nenhuma rotulagem nas embalagens; livre cobrança de royalties, porteiras abertas para as multinacionais monopolizarem as sementes e insumos.

A CTNBio não tem estrutura orgânica e administrativa e não trabalha em tempo integral. Transferir-lhe poderes absolutos para decisões definitivas sem condições mínimas de fiscalização de campo é uma aventura e uma temeridade.

Além disso, os transgênicos que hoje se quer liberar no Brasil foram produzidos em laboratórios do Norte do planeta, regiões de climas frios e pouca variabilidade biológica. Nosso clima é diferente, nossa biodiversidade é enorme e a interação é diversa.

As informações dos cientistas pagos pelas empresas donas da tecnologia são insuficientes. Por que tanto medo dos testes? Será porque cientistas independentes já comprovaram seus perigos?

Por fim, o pavor do rótulo. Por que parte da indústria é favorável, mas foge da rotulação como o diabo da cruz? Se os transgênicos são tão seguros, deveriam fazer disto um slogan: 'Coma transgênico, é seguro, saboroso e barato!'

A luta é dura e será longa. A Lei de Biossegurança é só mais uma batalha. Em disputa estão dois modelos de desenvolvimento rural: um centrado no latifúndio, controlado por poucas multinacionais e baseado nas monoculturas dependentes dos insumos químicos.

O outro centrado nas pequenas e médias agropecuárias, organizado em redes de cooperativas em empresas nacionais e públicas.

Este é o pano de fundo. Os transgênicos são apenas mais uma importante frente de batalha para as multinacionais e para os que querem um Brasil com uma agricultura camponesa forte produzindo alimentos saudáveis e variados para nossa população e para o mundo.

JOÃO PEDRO STEDILE é integrante da Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).FREI SÉRGIO GÖRCHEN é frei franciscano e deputado estadual (PT-RS).

O Globo, Brasil, 20-9-04

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