Brasil: transgênicos geram protestos, por Nelson Breve

Ambientalistas, movimentos sociais e magistrados reclamam de ameaça de edição de medida provisória

BRASÍLIA - Os adversários do cultivo da soja geneticamente modificada foram a campo ontem e conseguiram suspender, ao menos temporariamente, a edição de medida provisória para autorizar o plantio. A reação surgiu em diversas frentes. Dos movimentos ambientalistas ao Poder Judiciário.

O dia começou com uma caminhada de 300 militantes de movimentos sociais liderados pelo MST, que estão há 12 dias acampados em Brasília, lutando ''contra os transgênicos, pela soberania do Brasil e alimentação saudável''. A ação estava descoordenada. Enquanto cercavam o Ministério da Agricultura, o ministro da Casa Civil, José Dirceu, acertava a liberação dos transgênicos em reunião com representantes dos agricultores, parlamentares gaúchos e o secretário de Agricultura do Rio Grande do Sul, Odacyr Klein.

- O presidente Lula já tomou a decisão de autorizar o plantio - garantiu Dirceu.

Dependia só de como fazer. A fórmula jurídica para evitar problemas futuros. Os parlamentares saíram garantindo que a MP seria baixada hoje. Mas quem entende os códigos de Dirceu, percebia que a situação se complicava.

No Ministério do Meio Ambiente, o secretário de Biodiversidade e Florestas, João Paulo Capobianco, fazia a primeira manifestação pública de um integrante do governo contra a edição da MP.

- Nossa posição é clara. Neste momento não há espaço para medida provisória.

No Tribunal Regional Federal, o desembargador Antônio Souza Prudente advertiu que a edição de uma MP contra decisão do Poder Judiciário, que suspendeu o plantio, poderia ser configurada como crime de responsabilidade, punido até com o impedimento do presidente da República.

O Ministério Público Federal engrossou o cordão de resistência. A coordenadora da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão, subprocuradora Sandra Cureau, divulgou documento dizendo que a MP seria uma afronta e só teria legitimidade com respaldo dos demais Estados brasileiros.

Em uma conversa com o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Nicolao Dino, parlamentares e dirigentes de movimentos ambientalistas, Cureau lamentou que o governo estivesse dando respaldo a agricultores que estão desobedecendo a lei e incitando outros ao crime.

- Se sair outra MP, liberou geral - comentou.

O ex-ministro do Meio Ambiente, deputado Sarney Filho (PV-MA), participou da conversa. Disse que a liberação dos transgênicos no Brasil interessa apenas aos EUA, que não desejariam a concorrência da soja convencional no futuro.

- Como não há segurança de certificação, eles querem colocar o Brasil no lugar comum. Aí, perdemos o diferencial - ponderou Sarney Filho.

Na Esplanada dos Ministérios, os militantes liderados pelo MST entraram em confronto com a Polícia Militar, mas não chegaram a invadir o Ministério da Agricultura. João Paulo Rodrigues, da Coordenação Nacional do MST, acusou o governo de querer liberar a soja transgênica para satisfazer interesses dos grandes plantadores do Rio Grande do Sul. Disse que o MST vai romper com os parlamentares do PT que estão apoiando os transgênicos.

- A luta é mais ampla, porque não envolve apenas soja, mas algodão, milho e outras culturas que não sabemos.

No início da noite, o presidente em exercício, José Alencar, convocou uma reunião de emergência com nove ministros no Planalto, para ''aprofundar o debate'' sobre o tema. A decisão pode ser adiada até o retorno do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele está diante de um dos maiores dilemas do governo: confrontar a Justiça e os movimentos ambientalistas ou enfrentar a desobediência civil dos agricultores do Rio Grande do Sul.

Jornal do Brasil, Brasil, 24-9-03

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