Manguezal, a morte anunciada Jeovah Meireles
	Prensa
Brasil Online, Internet, 22-4-02
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Manguezal, a morte anunciada
 Jeovah Meireles
 Professor
O ecossistema manguezal - no Ceará como em todo o Brasil - começa a sofrer outra onda de agressões ambientais. Desde o início do século passado, as regiões de mangue têm sido gravemente degradadas pela indústria do sal. As existentes no litoral cearense já foram intensamente desmatadas e soterradas para a construção de salinas, visando levar a produção de sal a melhorar sua posição na classificação do mercado nacional.
 Atualmente, esse ecossistema encontra-se em nova etapa de degradação, devido ao rápido desenvolvimento e expansão da criação intensiva de camarões. Assim, o conjunto ecológico que compõe um dos mais complexos e importantes ecossistemas do planeta é desmembrado, e suas unidades suprimidas das reações geoambientais e ecodinâmicas que compõem os manguezais.
 Uma dessas unidades - a que regula as propriedades físico-químicas, biológicas, hidrodinâmicas e morfológicas do manguezal, denominada regionalmente como apicum -, agora é ameaçada de destruição para a implantação de viveiros industriais, destinados à produção de camarão. Localizados em áreas interiores e bordas dos estuários, os apicuns estão em contato direto com o bosque de mangue, sendo periodicamente inundados conforme as oscilações diárias das marés. São responsáveis pela regulação, processamento e distribuição de nutrientes, turbidez, salinidade, taxas de oxigênio, temperatura e pH. Essas unidades representam áreas utilizadas para a expansão da vegetação, quando o manguezal atinge estágios de maior maturidade ou necessita de espaço adequado para a expansão da cobertura vegetal.
 Os apicuns comportam-se, ainda, como áreas que absorvem os excessos de salinidade. Durante as enchentes, lavados pela água doce, contribuem para controlar os baixos níveis de salinidade impostos pelo período das cheias. Também controlam a vazão fluvial, evitando inundações. São áreas repletas de organismos, que encontram alimento e refúgio, nos eventos de maior turbulência das marés. Estão inseridos nas áreas úmidas da zona costeira, intimamente agrupados em complexa relação de interdependência com a hidrodinâmica das marés, representando aportes de sedimentos e nutrientes. As fronteiras dessa unidade do ecossistema manguezal delimitam-se bruscamente com o continente, definindo biomas completamente diferentes, tanto na estrutura ecológica como geossistêmica, dos demais biomas continentais (caatinga e mata de tabuleiro).
 Segundo a nova resolução do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Coema), aprovada pelas entidades que estão, direta ou indiretamente, relacionadas com os grande produtores de camarão, o apicum ''não faz parte do ecossistema manguezal'' e, desta forma, as áreas serão extintas para dar origem a milhares de hectares de criatórios desses crustáceos. Ora, os manguezais, com seus apicuns, representam ecossistemas classificados como Áreas de Preservação Permanente (APPs, de acordo com a Constituição Federal e o Código Florestal), por serem fundamentais à subsistência humana e ao equilíbrio da biodiversidade da Natureza. Destruí-los, em detrimento da permanência e ampliação dos mangues de nosso Estado, é anunciar a morte do ecossistema manguezal, debilitando as condições de vida de mais de 65% das espécies de peixes e demais organismos que necessitam dos estuários para nascer, crescer e se reproduzirem.
 Mais ainda: o termo apicum, em tupi-guarani, significa mangue! Bastaria, pois, escutar os ensinamentos (e lamentos!) das nações Potiguar, Tremembé, Tapeba ou outras comunidades que tradicionalmente habitam a zona costeira - e dependem diretamente do ecossistema manguezal para sua sobrevivência - para saber que é imperativo preservar de tamanha agressão ambiental os apicuns do litoral brasileiro.
 Jeovah Meireles é professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e doutor em Geografia Física pela Universidade de Barcelona, Espanha
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