Reducionismo científico

Entre os tantos acusados de obscurantismo científico, colocado no século XIX e classificado de dinossauro tecnológico, sinto-me no dever ético de entrar no debate científico que envolve a questão dos transgênicos, mais propriamente sobre os fundamentos da ciência: seu método, sua finalidade e o controle ético sobre suas aplicações tecnológicas

Entre os que nos acusam ? jornalistas e acadêmicos ?, há os que são vítimas da desinformação, há os que prestam serviço a interesses inconfessáveis e há os que são vítimas de um reducionismo científico. Em alguns casos, há uma recombinação dos três fatores.

O que mais chama a atenção são os acadêmicos bem formados, mas escravos de um método científico centrado na segmentação do objeto e na crença cega no determinismo genético, filhos, portanto, de uma escola científica incapaz de praticar a transdisciplinariedade e pouco afeita a reconhecer a complexa interação entre os sistemas vitais.

E já que alguns têm gosto especial em secularizar os tempos históricos da evolução da ciência, este paradigma científico é próprio dos séculos XIX e XX e começou a ser superado nas últimas duas décadas do século XX. O século XXI já nasce sob a égide da construção de um novo paradigma científico biocêntrico, transdisciplinar, ecológico, sistêmico e holístico, rigoroso no método e na experimentação, sério na disciplina exigida pelo estatuto próprio da ciência, mas capaz de captar e relacionar o feixe de implicações inerentes a qualquer intervenção humana sobre a realidade, especialmente sobre os seres vivos. E o faz tendo como centro das preocupações a sobrevivência da espécie humana e da biosfera ? tão desastradamente impactadas pelos resultados funestos do paradigma científico que ora está sendo superado historicamente.

Neste novo modo de fazer ciência, o controle social e ético tem precedência sobre os mecanismos do mercado e guia as aplicações tecnológicas das pesquisas científicas. Neste novo paradigma, defende-se com a mesma intensidade tanto a liberdade de pesquisa e de debate intelectual, como o controle público e democrático sobre as aplicações tecnológicas dos resultados do conhecimento e dos avanços científicos.

A questão dos transgênicos, do ponto de vista científico, envolve 5 BIOs: 1-Biodiversidade; 2-Biotecnologia; 3-Biosegurança; 4-Biorisco; 5-Bioética. Do ponto de vista da soberania nacional, deveríamos nos preocupar também com a Biopirataria de nosso patrimônio genético, o ouro verde do século 21. Mas, para os que nos acusam, preocupar-se com a nação e seu patrimônio genético parece também sintoma de incorporação de algum gene jurrássico...

Mas a verdade é que os fanáticos pró-transgênicos, com um discurso simplista de defesa da ciência, só têm se preocupado com uma área da ciência: a biotecnologia. E na biotecnologia, só a de laboratório, esquecendo o fantástico potencial do melhoramento genético realizado pelas comunidades camponesas e pelos melhoristas tendo como base nossa fantástica biodiversidade vegetal e animal. E na biotecnologia de laboratório, por razões certamente impublicáveis, restringem-se à defesa sectária das aplicações tecnológicas controladas por poucas grandes multinacionais. Demonstram cegueira científica ou comprometimentos de outra ordem, camuflados de defesa da ciência.

Em nome do avanço da ciência, defendem, na verdade, a redução da ciência a uma técnica de laboratório, limitada à manipulação genética de interesse comercial, controlada por monopólios econômicos. Mostram-se reducionistas e arrogantes. Defendem fanaticamente produtos tecnológicos produzidos sem controle ético e social, sem testes sequer de médio prazo (que dirá de longo), sem análise de biosegurança, sem avaliação de potenciais bioriscos, sem avaliação de impactos na biodiversidade e sem busca de alternativas científicas e tecnológicas a partir dela e, o que é pior, colocando o interesse de lucro das grandes empresas acima da proteção da vida, ignorando por completo, portanto, a bioética.

A teia da vida, formada em bilhões de anos, não pode ser manipulada por técnicas de laboratório, por mais fantásticas que sejam, sem estudar e pesquisar o conjunto complexo de suas interações e impactos. É por isto que propugnamos por mais ciência e por um paradigma científico mais amplo, mais completo. Os transgênicos, da forma como são colocados hoje no mercado, são produto de um modelo científico em crise, criador de conseqüências ambientais funestas para a humanidade, servil aos donos do poder econômico e incapaz de dar respostas novas aos novos problemas que criou. A possibilidade científica de reprogramar a vida, rompendo, inclusive, a barreira do cruzamento sexual entre as espécies, exige, por si mesma, a superação do modelo de ciência em que hoje está circunscrita. É poderosa demais para ser feita de maneira reducionista, sem controle ético e social e sem controle rigoroso dos bioriscos potenciais.

Na questão dos transgênicos, falta ciência e há pouca pesquisa. Engraçado que os que querem mais ciência são acusados de obscurantistas, ao mesmo tempo em que a empresa (dona da patente da soja transgênica) que se nega há 5 anos a realizar e apresentar pesquisas elementares de médio prazo e em solo brasileiro sobre impactos ambientais e de segurança alimentar ? relativas a uma planta engenheirada com partes de dois vírus e partes de duas agrobactérias estranhas à planta e ao estômago humano, condicionada em laboratório para resistir a doses cavalares de um veneno vendido pela mesma empresa - é apresentada como escopo de avanço científico. Chega de hipocrisia em tanta tinta de jornal e em tanto discurso radiofônico e televisivo. Pelo menos, não em nome de algo tão sagrado para a humanidade como a ciência.

Creio que chegou a hora da verdadeira ciência ? ou das ciências ?, com uma abordagem transdisciplinar, holística, ampla, debruçar-se, pesquisar, debater com a sociedade e construir opções democráticas para incorporar avanços científicos sem danos à mãe natureza ? já tão agredida ? e com segurança para a saúde de nossos corpos ? já tão intoxicados. E com respeito aos direitos do conjunto dos cidadãos e cidadãs.

* Frei Sérgio Antônio Görgen, deputado estadual, é frade franciscano.

Correio" text="da Cidadania, ed. 340, Brasil, 5 al 12-4-03" />Correio" text="da Cidadania, ed. 340, Brasil, 5 al 12-4-03" /></paragraph></s
Correio" text="da Cidadania, ed. 340, Brasil, 5 al 12-4-03" />