Cartografia da real presença quilombola na Amazônia

Idioma Portugués
País Brasil

Estudo inédito revela: na região, área de quilombos é 280% maior que o registro oficial. Somados, são 3,6 milhões de hectares subnotificados – 92% estão preservados. Quando o Estado não reconhece a extensão, vulnerabiliza os povos e meio ambiente.

Um estudo inédito, lançado nesta quinta (30), mostra que a presença quilombola na Amazônia Legal é muito mais ampla do que os registros oficiais indicam. E que os territórios ocupados e protegidos por essas populações são fundamentais para a conservação da floresta. O trabalho é fruto de uma parceria entre o Instituto Socioambiental (ISA), a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e suas coordenações estaduais.

A nota técnica  Amazônia Quilombola: Ampliando a Cartografia sobre os Quilombos na Amazônia Legal identificou 632 territórios quilombolas, número 280% maior que o registrado nos bancos de dados espaciais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), órgão responsável pelo reconhecimento oficial dessas áreas na esfera federal. Juntos, esses 632 territórios somam mais de 3,6 milhões de hectares, 88% a mais que os dados espaciais do órgão fundiário e o equivalente à extensão de Alagoas.  

De acordo com a pesquisa, a concentração no número de territórios está nos estados do Maranhão (64%) e Pará (25%). Em extensão, o Pará vem em primeiro lugar, com 1,4 milhão de hectares ou 40% do total; o Amazonas fica em segundo lugar, com 753,4 mil hectares ou 20% do total; e o Tocantins, em terceiro lugar, com 607,9 mil hectares, 17% do total.

Oficina do projeto Amazônia Quilombola em São Luís (MA). Foto ISA

O levantamento indicou ainda 2.494 “quilombos” ou comunidades quilombolas, incluindo 287 que não apareciam em nenhuma base pública. Segundo a metodologia usada, os quilombos são indicados no mapeamento com um ponto de localização, compreendendo diferentes tipos de ocupação, desde áreas de habitação, com um número variável de famílias, até aquelas de uso temporário para agricultura, extrativismo, caça etc. Já o território quilombola abrange um ou mais quilombos, tem um perímetro definido por algum procedimento oficial ou mapeamento autônomo dos quilombolas e são representados cartograficamente por um polígono.

O trabalho consolidou, pela primeira vez, os dados de diversas fontes oficiais e comunitárias em um único mapa, com validação participativa de 112 representantes quilombolas em oficinas e reuniões realizadas ao longo de dois meses nos estados da Amazônia Legal (exceto Acre e Roraima).

A dispersão de dados e a multiplicidade de metodologias de mapeamento em vários órgãos públicos, como o Incra, o IBGE, a Fundação Cultural Palmares (FCP) e institutos de terras estaduais, vem dificultando por décadas a produção de números precisos sobre essas áreas em todo país. A iniciativa promete apoiar a solução para o problema.

A partir da base de dados levantada, foi desenvolvido um painel com um mapa interativo que será apresentado no dia 18/11, às 16h, na Zona Azul da COP 30, a conferência internacional sobre mudanças climáticas que vai acontecer em Belém, de 11 a 21/11.  A ideia é ampliar a visibilidade e o acesso público às informações sobre os os territorios quilombolas e fortalecer sua presença na agenda climática.

Pescador no território quilombola de Alcântara (MA). Foto Ana Mendes / Imagens Humanas

Vulnerabilidade social e ambiental

Apesar da expressiva presença territorial, quase metade (47%) dos quilombos mapeados não têm sequer a delimitação, e apenas 160 territórios estão titulados integralmente. A falta de regularização mantém milhares de quilombolas em situação de vulnerabilidade social e ambiental. Mais de 49% das comunidades sequer passaram da primeira etapa do processo: a certificação pela FCP.

“A invisibilidade nos dados oficiais é uma das expressões mais graves do racismo ambiental. Quando o Estado não reconhece esses territórios, nega às comunidades o direito à terra e desconsidera o papel que elas cumprem na proteção da floresta”, afirma Antonio Oviedo, pesquisador do ISA e um dos autores do estudo. “O que o levantamento mostra é que o Brasil ainda não enxerga toda a extensão da contribuição quilombola para o equilíbrio climático e a conservação da Amazônia”, avalia. 

Oficina do projeto Amazônia Quilombola em São Luís (MA), Foto ISA

Políticas Públicas

Além de revelar a magnitude da presença quilombola na Amazônia, a base de dados construída pelo estudo oferece um instrumento estratégico para o aprimoramento das políticas públicas de reconhecimento e planejamento territorial. O levantamento poderá, por exemplo, apoiar a atualização do Cadastro de Setores Censitários Especiais de Quilombo e a ampliação da cobertura do Censo Agropecuário sobre áreas quilombolas, ambos do IBGE.

“O reconhecimento desses territórios é mais do que uma demanda de reparação histórica: é uma estratégia de futuro para a Amazônia. Garantir os direitos quilombolas é também garantir a resiliência climática e a soberania alimentar da região”, conclui Oviedo.

Fonte: Outras Palavras

Temas: Pueblos indígenas

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