“Deixe-me viver, falar, crescer e me organizar”: o V Congresso da CPT se espalha nas tendas de experiências de Romper Cercas e Tecer Teias

Durante as tardes do segundo e terceiro dias de programação do V Congresso Nacional da CPT, os/as congressistas se distribuíram em sete tendas temáticas espalhadas no local da plenária principal do Congresso, em escolas e em um sindicato próximos ao evento, no Centro Histórico de São Luís. Cada uma com nomes inspirados em danças e expressões culturais e ancestrais maranhenses: Tambor de Crioula, Tambor de Mina, Tambor da Mata, Caixeiras do Divino, Jongo, Toré e Marujada.
Ao todo, 28 experiências vivenciadas nas comunidades e povos acompanhados pela CPT em todo o Brasil foram partilhadas, debatidas e refletidas nas tendas, que também contaram com momentos de assessoria, fila do povo e preparação de apresentações para a plenária principal do Congresso.

Experiência de Tecer Teias na Tenda Caixeiras do Divino – Teia dos Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão. Foto: Carlos Henrique Silva
Acesse e baixe aqui o Caderno de Experiências com 40 relatos, incluindo os que foram apresentados durante o Congresso.
As experiências, colocadas em duas categorias principais: “Romper Cercas” e “Tecer Teias”, são apenas uma amostra da enormidade e da diversidade dos povos da terra, das águas e das florestas, com seus conflitos diários, sua profecia e sua resistência na construção do Bem Viver. As realidades vivenciadas pelas comunidades e a ação da CPT são interligadas, portanto cada experiência tem em si elementos das duas categorias.
Romper Cercas: o enfrentamento ao latifúndio e à exploração no campo

Equipe de jovens de Rondônia, compartilhando a experiência da Jornada Regional de Educomunicação, na Tenda Toré. Foto: Marília Silva / CPT-GO
As experiências de Romper Cercas mostram a necessidade e a força dos povos das terras, das águas e das florestas, de enfrentar e lutar contra a concentração fundiária, a exploração e a expropriação. Nessas experiências de resistência, as comunidades denunciam as violências sofridas e a luta constante pela garantia e permanência na terra. A troca de experiências e saberes também fortalece o intercâmbio e as lutas conjuntas para além do Congresso.
Paulo Sérgio, uma das lideranças na comunidade Marielle Franco, no sul do Amazonas e divisa com o Acre, apresentou, na Tenda Tambor de Crioula, a experiência de resistência da ocupação e os conflitos sofridos pelas famílias diante da ação de fazendeiros desde 2015. Ao lado dele, também estavam representantes da comunidade Jane Júlia, de Pau D’Arco (PA), que resistem e lutam por justiça desde o massacre em 2017, que ceifou a vida de nove trabalhadores e uma trabalhadora, que hoje dá nome à comunidade.
“A experiência foi boa, e vemos que a situação exposta só muda de pessoa, de município e de estado: os problemas são os mesmos. A gente conseguiu expor a situação, mas foi importante saber que não é só comigo: tem pessoas que passam por situações iguais às nossas, e até mais difíceis, como foi a outra experiência. O Brasil hoje inteiro já sabe da situação fundiária, do que acontece com as famílias, e a gente não sabe porque ainda não é resolvida”, afirma Paulo.
Tecer Teias: a força da organização e da articulação para enfrentar as cercas do capital

Momento de acolhida na Tenda Jongo. Foto: Rodrigo Correia
Na tarde seguinte, os mesmos grupos se reuniram nas tendas para mais uma série de experiências, desta vez de Tecer Teias. Estas experiências mostram a força da articulação dos povos e comunidades tradicionais, construindo formas de organização, resistências e articulação entre si e com outras comunidades, para garantir a permanência em suas terras e territórios com dignidade. Grupos de mulheres, redes, teias, coletivos, romarias, mutirões são apenas alguns exemplos de construção do esperançar, da utopia, do Bem Viver.
Uma destas experiências, compartilhada na Tenda Tambor da Mata, foi do Mapeamento Popular das Águas Mortas, no Oeste da Bahia. A partir das Romarias do Cerrado, as comunidades levaram, em cruzes, os nomes dos riachos mortos de suas localidades, e ali começou uma mobilização para não só mapear as águas, mas criar uma vigilância e repercutir as denúncias das comunidades.
Acesse aqui o Diagnóstico das comunidades em alta definição.
“Nós fomos comparando o mapa da Agência Nacional das Águas (ANA), o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e outros meios de georreferenciamento com a sabedoria do povo, que saiu marcando os nomes dos córregos que conheciam, e identificando se tinham água perene ou só em época de chuva, ou se já estavam mortos por ação do agronegócio”, afirma a equipe que participou da pesquisa, a qual contou com a participação de cerca de 300 pessoas.
“Nosso poder está na união:” as partilhas na Grande Tenda
Para as apresentações na Grande Tenda ou Plenária, não faltou cooperação e criatividade nos grupos em forma de poesias, encenações, programa de rádio, podcast, cordel, música e outras manifestações artísticas, um sinal de que a cultura é uma forte ferramenta de resistência.
Uma das apresentações foi da Tenda Toré, com a Rádio Toré. Apresentando em forma de teatro uma notícia referente às experiências de Romper Cercas compartilhadas na tenda, a agente Débora, de Rondônia, foi a apresentadora que compartilhou notícias sobre feminicídio, mineração, massacres no campo e outras formas de violência no campo. Em seguida, a juventude interpretou as cenas e a atuação da Escola Camponesa de Juventudes do Ceará e da Jornada Regional de Educomunicação, de Rondônia.
Já a experiência da Escola dos Ventos, de Pernambuco, apresentada na tenda Tambor de Mina, contou com uma apresentação dinâmica valorizando a diversidade de palavras de povos, na denúncia da instalação dos parques eólicos e produção de energias que impactam povos e comunidades.“Onde antes o vento brincava com as folhas, agora ele gira lâminas de aço que rasgam o sossego.” Através de perguntas de impacto como “Energia limpa pra quem? Transição energética pra quem?”, as comunidades resistem para resgatar os ventos para a vida, e não para a morte. A luta por um vento que é livre.

Pastora luterana Romi Bencke assessorando a Tenda Toré. Foto: Marília Silva / CPT-GO
Ora nas tendas, ora no espaço de acolhida da Grande Plenária, foi possível ouvir, nos mais diversos sotaques, idiomas e dialetos, as vozes dos povos e comunidades tradicionais do campo, das águas e das florestas, da juventude, das mulheres e dos camponeses e camponesas LGBTQIA+, marcando este Congresso com intervenções de reivindicação e resistência.
“Pra romper cercas, só tecendo teias. Pra lutar na defesa do território temos que nos articular, formar uma frente de mulheres, jovens, pessoas de diferentes culturas, religiões e diversidade sexual. Como dizia o Papa Francisco, “tudo está interligado”, e não só entre pessoas e comunidades, mas com o povo, os bichos, cachoeiras, serras, matas, árvores, o que está debaixo da terra”, afirmou o prof. Adalton Marques, que assessorou a Tenda Tambor de Mina.