O modelo agrícola brasileiro na mira do MST

Idioma Portugués
País Brasil

Acuado pela importância cada vez maior que o grande agronegócio adquire na economia nacional, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) revê estratégias e bandeiras

Deixa um pouco de lado a ênfase na questão da reforma agrária e da desapropriação de latifúndios improdutivos e passa a desafiar o modelo agrícola brasileiro como um todo. Nos últimos anos, ações de ocupação e protesto contra empresas consideradas altamente produtivas, como a Aracruz Celulose, a Votorantim e a Vale, são cada vez mais comuns. A reportagem é de Raphael Bruno e publicada pelo Jornal do Brasil, 21-07-2008.

Um dos marcos da nova fase do movimento foi a ocupação, em março de 2006, de fazenda da Aracruz Celulose, localizada no Rio Grande do Sul, por mulheres integrantes da Via Campesina, a organização internacional de trabalhadores rurais que tem o MST como principal representante. Desde então, as empresas envolvidas na produção de papel e celulose, acusadas pelo movimento de provocar graves impactos ambientais, se tornaram um dos alvos preferenciais dos protestos.

No "abril vermelho" deste ano, mês em que tradicionalmente são intensificadas as ações do MST como forma de protesto pelo que ficou conhecido como massacre de Eldorado dos Carajás, quando 19 trabalhadores rurais morreram em um confronto no Sul do Pará com a Polícia Militar, integrantes do movimento ocuparam fazenda da Aracruz na Bahia.

Cerco aos grandes

A Votorantim, outra gigante nacional cujos braços atuam em várias áreas da produção no campo, entre elas a celulose, também já havia tido uma fazenda de sua propriedade em Pernambuco invadida ainda em 2005. No Rio Grande do Sul, as instalações da empresa já foram repetidamente alvo de ações do MST. Em junho, o escritório da empresa no centro de São Paulo foi ocupado.

A mineradora Vale também não escapou das ações do MST. Também em abril, a sede da empresa em Belém foi ocupada. Estradas de ferro utilizadas pela empresa em todo o Brasil também são alvos constantes. Na última estrada ocupada, no Pará, a empresa afirmou em nota que considerava "criminosa ações desta natureza" e reafirmava sua "confiança no poder judiciário para o reestabelecimento da ordem".

O MST afirmou que a ação no Pará não foi articulada por ele, mas sim pelo Movimento dos Trabalhadores e Garimpeiros na Mineração. A Vale, por sua vez, não tinha dúvidas de que a ação era na verdade comandada pelo MST e fez questão de convocar entrevista coletiva para denunciar os dados causados pela ocupação.

O diretor de Assuntos Corporativos da da Vale, Walter Cover, mostrou na ocasião fotografias de detectores de descarrilamento e fibras ópticas destruídas pelo ato. Algo que, segundo ele, não passava de “sabotagem com alto potencial de provocar tragédias e mortes”.

A mineradora contabiliza 15 invasões por parte do MST. Somente nos últimos 13 meses, foram 11.

– É inadmissível, é intolerável que uma empresa privada seja usada como instrumento de pressão para negociar uma pauta de reivindicações com os governos que nada tem a ver com a Vale – comentou o diretor da empresa.

Nova pauta

A pauta atual do movimento, contudo, tem muito a ver com forma pela qual a Vale e outras empresas vêm ampliando as atividades no Brasil. Gilmar Mauro, da coordenação nacional do MST, garante que os sem-terra não abandonaram a luta pela reforma agrária, mas que foram levados a desafiar "grandes grupos econômicos que passaram a comprar terras" e "submeter toda produção agropecuária brasileira" à lógica de exportação de commodities.

A visão do MST é compartilhada por especialistas da área. Sérgio Sauer, sociólogo da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador sobre o tema da produção rural, vai na mesma linha.

– Houve uma mudança profunda na realidade do campo – disse.

– No início dos anos 1980, no tipo de atividade agrícola que era desenvolvida o latifúndio era muito forte. Nos anos mais recentes, grandes empresas, principalmente estrangeiras, começaram a adquirir grandes extensões de terra.

Para ele, este processo de corrida por terras ganhou força nos últimos anos, impulsionada pelo governo Lula, por três fatores: o surgimento do etanol como fonte energética alternativa ao petróleo, a importância que a exportação de commodities assumiu na balança comercial brasileira e o peso da bancada ruralista que integra a base do governo.

– O governo Lula partiu da premissa de que era possível a convivência pacífica entre o grande agronegócio e a agricultura familiar– explicou.

– Em alguns casos, onde a agricultura familiar tem níveis elevados de eficiência, até pode ser. Mas com certeza isso não é verdade para a maioria dos casos.

Professora do Núcleo de Políticas Públicas e Direitos Humanos da Universidade Federal do Rio de Janeiro e especializada em reforma agrária, Maria Lídia tem o mesmo diagnóstico.

– A forte presença do agronegócio altera as relações do campo e processos de luta mais simples se transformam em lutas maiores – diz.

– Houve uma mudança na organização da propriedade da terra que está levando a novas táticas de enfrentamento.

Instituto Humanista Unisinos, Internet, 21-7-08

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